domingo, 16 de outubro de 2011

Perdas e danos



Perder e ganhar faz parte do processo evolutivo de qualquer ser humano. Na infância, ganhamos e perdemos: amigos – que vão e vem, a inocência, os brinquedos, nossos heróis da TV, etc.
E à medida que vamos crescendo, as várias etapas do nosso processo evolutivo nos impõem perdas importantes e necessárias para o nosso crescimento pessoal.
Porém, nem sempre conseguimos entender e aceitar que o sofrimento e a renúncia são necessários ao nosso crescimento, à nossa formação como pessoa. Isto porque na dor não enxergamos os ganhos. Não conseguimos perceber que ainda há muita vida à frente para ser vivida e usufruída.
Olhar pra trás e ter saudade é bom; mas não podemos ficar lá, presos no passado, por mais intenso, feliz e completo ele tenha sido. Não usufruir o tempo presente é envelhecer prematuramente, é morrer um pouquinho a cada dia, é negar a continuidade da vida - que está lá, nos convidando, nos apresentando novos horizontes, novas possibilidades; sempre.
É fato que a nossa forma de lidar com as frustrações, perdas e sofrimentos está relacionada aos nossos valores, à nossa formação, ao contexto em que vivemos. E por isso nem sempre conseguimos aceitar e enxergar que os momentos de dor nos refinam, sinalizam outros potenciais, nos levam ao encontro de nós mesmos, da nossa identidade.
Uma vida verdadeiramente vivida é feita de uma sucessão de perdas que precisam ser enfrentadas, metabolizadas e vividas; mas que não podem nos imobilizar nem nos cegar, impedindo-nos de seguir adiante.
Neste processo de perdas e ganhos inevitável, inerente à vida, não nos damos conta que acontecem trocas: perde-se aqui, se ganha ali. E nesta alternância entre ganhar e perder, vamos descobrindo, crescendo, experimentando sensações que de outra forma não conseguiríamos. Perde-se a ingenuidade da infância para ganhar a juventude e alcançar a maturidade. Perdemos pessoas queridas, amores, amigos, dinheiro. Ganhamos sabedoria, paciência, experiência de vida, serenidade. E no seu eterno renovo, de repente a vida nos surpreende e nos traz novos amigos, novos amores, estabilidade financeira e emocional, autoconhecimento, etc.
Esta é a dinâmica da vida, formada por ciclos que se alternam, como numa imensa roda gigante, onde ora você sobe, ora desce; mas que está sempre em movimento. Por isso é essencial não nos prendermos ao passado. Devemos deixar o passado no lugar dele; porque a verdadeira vida acontece no tempo presente. A dor é pra ser vivida, até porque ganhamos força vivendo as emoções; ficamos mais fortes, experimentamos a superação.
Quem disse que é fácil? Não; não é. A própria palavra superação já traz junto com ela o seu significado: uma ação maior, grande, super. Superar é ir mais além, é ultrapassar, é vencer! Porém, quando estamos no “olho do furacão”, quando tudo à nossa volta parece conspirar contra nós, é difícil reagir, superar, tomar uma atitude, fazer um movimento para reverter ou aceitar que perdemos. Vivemos como autômatos, sem percepção do entorno; das pessoas; do tempo; agimos mecanicamente. Mas é necessário superarmos a sensação de impotência e de medo que nos paralisa, para não nos transformarmos em mortos vivos.
Li em algum lugar que um estudo sobre dores decorrentes de perdas de pessoas queridas constatou que a maior dor é a da perda de um filho. Em segundo lugar ficou o divórcio.
Li também que “leva-se um ano, um calendário inteiro para se superar uma perda”. É o tempo de passar todas as datas comemorativas e significativas sem o outro.
Estudos e estatísticas à parte, eu entendo a dor como pessoal e por isso mesmo imensurável. Afinal, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”; como diz o Caetano. Ou seja; cada pessoa é única, singular, e a intensidade da sua dor; idem. Mas seguir em frente é preciso. Encontrar algum ganho naquele processo ímpar de dor exige coragem, mas faz a gente crescer, ficar mais forte, valorizar a vida.
Cantam os poetas e eu acredito que o ser humano nasce com uma capacidade inesgotável de amar. Não há limite de intensidade nem idade para amar. Por isso aquele vazio que fica com a perda um dia vai passar; perdas e ganhos fazem parte do movimento constante da vida.
E já que falei do amor, em se tratando especificamente da perda do parceiro, amigo, amante; marido (esposa), o metabolismo da separação e/ou da perda – independente da forma como se deu – requer algumas atitudes práticas que podem ajudar, já que é preciso aprender a viver sem a presença cotidiana do outro. Desfazer-se de seus pertences pessoais e objetos significativos (lembranças de viagens, por exemplo); assim como evitar lugares que remetam imediatamente às lembranças da história dos dois é um passo importante - Não parece; mas é. É preciso também aprender a viver com a gente mesmo; se permitir ficar sozinho, repensar o próprio espaço - físico e emocional – reorganizar a vida.
Não; não se trata de apagar da memória a pessoa querida. Ela (ele) vai sempre estar presente no nosso coração, na trajetória vivida e partilhada. Mas é necessário reconhecer e aceitar a dor da perda para continuar construindo a nossa história. Afinal, o passado não é um lugar para morar.
Na verdade, trata-se de um movimento para nos permitirmos ser felizes e inteiros de novo; recomeçar.
Afinal, lidar com a realidade é saudável. Por mais dolorosa que seja. E a vida é um eterno renovo.

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